quinta-feira, 19 de maio de 2011

EU PODE FALAR OS LIVRO?


A polêmica do livro “Por uma vida melhor”, da Coleção Viver e Aprender, não é um caso de erro do Ministério da Educação (MEC), comparável às atrapalhadas com o vazamento e na aplicação da prova do Enem, como já foi comparada. De autoria da professora Heloísa Ramos, a publicação foi distribuída a 484.195 alunos de todo País e defende que a forma de falar não precisa necessariamente seguir a norma culta. Em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo (edição de terça-feira, 17), há um pequeno trecho no qual são destacadas as seguintes frases: “Você pode estar se perguntando: Mas eu posso falar os livro? Claro que pode”, diz um trecho.

O livro – e sua distribuição pelo MEC – caiu como bomba nos círculos mais conservadores da intelectualidade brasileira. Mas, no bojo destas críticas, há uma má vontade generalizada em entender a proposta da autora, atestada não apenas pelo MEC, mas também por uma junta de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E, ainda, a aplicação do livro em sala de aula fica por conta da decisão da coordenadoria pedagógica de cada escola. Não há, portanto, imposição em aplicá-lo.

Em uma pequena entrevista, na mesma edição do Estadão, a autora explica o desejo de estabelecer um vínculo de comunicação com os alunos, aproximando a Língua Portuguesa da forma coloquial a que estão acostumados a utilizar diariamente. No próprio livro, ela argumenta sobre o risco de o aluno ser vítima de preconceito linguístico. “Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas”. Atire a primeira pedra quem nunca presenciou, ou mesmo sofreu, algum ato de preconceito linguístico, em que o erro gramatical e/ou de fala de alguém esbarra em ser apenas motivo de piada. Como defende a professora Heloísa, é preciso ir além do erro, identificá-lo, estabelecer o diálogo e avançar para algo mais refinado.

Não é uma proposta necessariamente nova, tampouco um tipo de polêmica recente, já que o combate entre o formal e o coloquial se dá em diversas esferas, não apenas na educação. A música, por exemplo, carrega este embate desde, pelo menos, os primórdios do blues americano, às margens do Rio Mississipi, em New Orleans, quando os brancos diziam que os negros faziam “pacto com o diabo”. No fundo, era uma tentativa de criar um discurso para afastar os jovens da época – os anos 1920 – e evitar que eles escutassem músicos como Robert Johnson, precursor do que se transformou em um dos estilos mais influentes da música contemporânea.

A guitarra – ainda mais com a sonoridade distorcida – foi “acusada” de ser a depravação de uma sociedade acostumada com instrumentos até então acústicos, tocados no formalismo da música erudita. Fato é que o rock, em suas inúmeras vertentes, não apenas se tornou num dos estilos mais consolidados do mundo da música, como serve, até hoje, de “porta de entrada” para quem busca estudar música. A facilidade proporcionada por uma guitarra tocada com três ou quatro acordes proporciona a introdução de milhões de pessoas que, mais tarde, tornam-se grandes músicos, alguns, inclusive, buscam a música clássica como referencial de alto nível de conhecimento musical.

No sentido de abrir diálogo, o rock e a aproximação do ensino ao coloquial parecem servir igualmente como introdução a algo que possa se desenvolver mais à frente. A proposta da professora, por suas explicações, não tem nada a ver com a intenção de “oficializar” o erro, como foi criticada. Mas o dinamismo da língua exige novas tentativas e possibilidades para estabelecer o processo de ensino-aprendizagem. E seu livro, resultado de anos de estudos, é mais uma destas tentativas.

Erich Vallim Vicente

Nenhum comentário: