sábado, 9 de julho de 2011

FLAGELO

Sob os escombros, somente uma nesga de luz nos permitia esperar algo além da morte. Mas, muito tempo depois de sermos engolidos pela montanha que se desmanchou, o feixe de luz desapareceu retornando horas depois, dizendo-nos outro dia de sofrimento e medo; sofrimento e fome... sofrimento ele-mesmo.
Quando, depois de seguidas desistências, vimos a nesga de luz apagar-se de maneira diferente, acreditamos que o fim chegara e a última pedra fora colocada sobre nosso túmulo improvisado pela natureza. Mas não era isso. A Providência Divina nos mandara um observador para que depois, pela tevê ou rádio soubessem- nos locais mais longínquos da memória, a nossa triste derrota.
Soldado e herói, ele sentira uma falta de medo repentina e um cheiro de morte vindoura exalando do buraco onde nos prendera a montanha. 
 Armando, enfiando lá a cabeça para nos ver morrendo, nos viu e foi só. Virou-se. Gritou que fomos e estávamos ali. Enfiou-se pela cabeça novamente no lume do buraco; gritou se éramos quantos, em quais condições.
Não quisemos responder. Silenciamos nossas bocas para não gastar o resto de ar do bolsão que se formara para nos salvar de uma morte menos instantânea do que seria aquela. Decapitado pelo peso da parede que o matou, Armando não nos ouviria mesmo.
A cabeça do jovem soldado não rolou para junto de nós. Ficou lá a tampar uma tão necessária entrada de ar e luz. Depois, diriam que o corpo primeiro vibrou, esticou, vibrou novamente e dançou no ritmo lesto da dor. O muito que lhe sobrou de corpo escorreu junto com o barro movediço – este escorrendo e calafetando as frestas no entorno do crânio que inchava, gelava e apodreceria.

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