Sob os escombros, somente uma nesga de luz nos permitia esperar algo além da morte. Mas, muito tempo depois de sermos engolidos pela montanha que se desmanchou, o feixe de luz desapareceu retornando horas depois, dizendo-nos outro dia de sofrimento e medo; sofrimento e fome... sofrimento ele-mesmo.
Quando, depois de seguidas desistências, vimos a nesga de luz apagar-se de maneira diferente, acreditamos que o fim chegara e a última pedra fora colocada sobre nosso túmulo improvisado pela natureza. Mas não era isso. A Providência Divina nos mandara um observador para que depois, pela tevê ou rádio soubessem- nos locais mais longínquos da memória, a nossa triste derrota.
Soldado e herói, ele sentira uma falta de medo repentina e um cheiro de morte vindoura exalando do buraco onde nos prendera a montanha.
Armando, enfiando lá a cabeça para nos ver morrendo, nos viu e foi só. Virou-se. Gritou que fomos e estávamos ali. Enfiou-se pela cabeça novamente no lume do buraco; gritou se éramos quantos, em quais condições.
Não quisemos responder. Silenciamos nossas bocas para não gastar o resto de ar do bolsão que se formara para nos salvar de uma morte menos instantânea do que seria aquela. Decapitado pelo peso da parede que o matou, Armando não nos ouviria mesmo.
A cabeça do jovem soldado não rolou para junto de nós. Ficou lá a tampar uma tão necessária entrada de ar e luz. Depois, diriam que o corpo primeiro vibrou, esticou, vibrou novamente e dançou no ritmo lesto da dor. O muito que lhe sobrou de corpo escorreu junto com o barro movediço – este escorrendo e calafetando as frestas no entorno do crânio que inchava, gelava e apodreceria.
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